terça-feira, 11 de setembro de 2012


HISTORIA QUE O POVO CONTA (III)


De Vovô Florentino de Agodô por Douglas O Elias

Irmanado aos brilhos das estrelas, o luar era filtrado pelas nuvens estacionadas no céu enegrecido pela noite de pouco vento , colorindo o horizonte , provocando calma e paz e ativando reflexões nos conteúdos das mentes humanas.
Uma furtiva cadente riscou o céu sendo observada por todos de uma família que se reunia no bate-papo raro mas que aquela noite convidava. 
-Viram a estrela cadente?Rápido, façam um pedido!
Alertava esperançosa dona Véva para todos que fechavam os olhos e na pureza da fé, manifestavam em pedido os seus desejos.
Porém, abastado vizinho, contemplando tudo aquilo, manifestou:
-Que bobagem.Como são ignorantes. Como podem acreditar nisso. Não sabem que é um fenômeno natural?Vocês deveriam trabalhar duro, isso sim..Ficam perdendo tempo com conversa fiada enquanto a vida passa e acreditando em fantasias?
Dona Véva, com seu sorriso Cortez, cumprimentou o vizinho ofensivo com “uma boa noite “e procurando educadamente responder-lhe a acusação, disse-lhe que todos já haviam encerrado seu expediente do” ganha do pão de cada dia” e estavam felizes reunidos, preparando-se para a oração em família, percebendo o rastro estrelar da cadente como um aviso e um presente .
Mas ouviu dele :
-Vocês são ignorantes. Vivem aí com misticismos, acendendo vela e acreditando em contos de fadas...ora, onde já se viu...não tenho nada com isso, mas talvez seja por isso que são tão pobres...deveriam me agradecer por alertá-los pois pão de cada dia não cai do céu.
Pereira, irmão mais velho de dona Geralda que era viúva,melindrou-se e já ia contra-atacar numa resposta decisiva de “o que tem a ver com isso? Intromedito. Quem o chamou”, mas foi interrompido pela própria que, caminhando lentamente, abriu o portão e convidou o vizinho a entrar incentivando a falar mais.
O tal não se conteve pois sentira o cheiro bom do café e do bolo de fubá e não controlou sua gula, aceitando o convite objetivando em troca, ensinar a sua verdade.
Sentou-se numa pequena banqueta e percebeu que apesar de simples, era muito confortável e servindo-se das guloseimas, foi logo falando :
-Sei que não sou o dono da verdade e já acreditei nestas coisas como vocês, mas , tudo tem uma explicação e é cientifica. Decerto que foram incentivados a acreditar nestas coisas que não existem pelas religiões, não? São evangélicos, são cristãos?
- Somos da Umbanda!
-Ih, aí é que a coisa complicou! Eu estudei tudo isso e lhes digo que tudo é uma grande mentira...estas coisas de Guias, de Espíritos, de Orixás...tudo uma bobagem...Deus existe e quando morremos vamos para o paraíso ou para o inferno e acabou. Por isso que temos que trabalhar duro para ter as coisas boas e não viver na preguiça de acreditar em coisas que não existem, entenderam?
-Sim, entendemos e o compreendemos, vizinho...aceita mais bolo?Mais Café?
_Oh, sim. Está uma delicia.Deveria vender e faturar muito. Já pensou nisso,Senhora?
-Sim, pensamos sim,mas preferimos o sabor da divisão sem cobranças...saiba, meu querido vizinho que todos desta família temos nossas ocupações...Nosso expediente começa antes do sol nascer numa oração de gratidão. Sou costureira e após preparar meu irmão que trabalha na construção civil, minha cunhada que é professora numa escola de crianças excepcionais, meu velho pai que é artesão e prepara seus apetrechos para as encomendas das lojas chiques e as crianças que vão estudar nas escolas do bairro e após, aprendem musicas, artes e poesias, além dos ensinos da Fé na associação patrocinada pelos Umbandistas do Terreiro que dedicamos a nossa. Como vê, trabalhamos duro e sempre nos reunimos aqui preparando-nos para agradecer a Deus e aos Orixás, e também aos Espíritos de Luz, pela felicidade da vida.
-Oh,fico feliz então pois não são vagabundos...posso servir-me de mais um naco deste delicioso bolo? ...
Sem esperar a resposta, serviu-se . E continuou espalhando migalhas enquanto falava :
-Vocês precisam é ganhar mais dinheiro com o que fazem. O mundo é assim. Precisam melhorar suas condições de vida.Tem que ter ambição . Veja minha casa, meu carro, meus filhos e minha mulher! Vivemos tranquilos .Temos outros bens e eu só resolvi alertar vocês pois doeu o meu coração pois me canso de ver vocês sem posses, andando a pé , sem luxos e ainda acreditando num luminar de estrelas. Aceite minha orientação. Comecem a ganhar mais dinheiro para serem felizes.
-Realmente talvez tenha razão, vizinho, porém somos felizes assim. Não nos falta nada e evoluímos de maneira equilibrada e amorosa. Ganhamos nosso sustento pelo nosso trabalho que amamos e somos muito considerados pois todos apreciam o produto do nosso trabalho.
-Pois então, cobre mais por isso!
-Entendo, vizinho!Creio que está correto e agradeço sua preocupação, porém, todos aqui sabemos que nosso trabalho é a expressão do nosso ser, das nossas ideias, com o objetivo de sermos úteis e felicitar a quem deles necessitarem.Somos valorizados e a natureza do mundo nos responde com tudo o que precisamos e, até mais, como ter acesso ao senhor tão inteligente que nos brinda com sua visita.
-Ora, mulher, não me faça de rogado. Sou um homem direto no que digo. Não sou falso e nem gentil.
-Sim, meu vizinho. Aceita mais bolo?
-Oh!Tem mais?Aceito sim. Tem café também? Eu gostaria!
-Sim. Eis! Se quiser, meu querido vizinho, leve este para sua família pois sempre esperamos visitas e fazemos sempre mais.
-Puxa! Realmente nunca experimentei tal delicia.Decerto que guarda segredo da receita.
-Oh,não, senhor. Inclusive a pedidos da sua esposa, escrevi.
-Ora, Minha esposa é proibida de falar com os vizinhos. Como me desobedeceu?
-Lamento!Mas tenho a certeza que o senhor conversará com ela e terá uma explicação.
-Está correto. Bem! Deixe-me ir.Obrigado pelo bolo e tenha como paga estas orientações que lhe dei, certo?
-Sim, meu querido vizinho.
O vizinho foi-se sem ao menos despedir-se mas passado longos minutos, retornou com os olhos marejados de lágrimas dizendo:
-Perdoe-me, senhora. Perdoe-me todos,por favor. Sou muito arrogante e sofro por isso. Ensine-me,por favor,como ser feliz sem ser escravo da situação e dos meus desejos.
-Decerto que Olorum pelos sagrados Orixás e Nosso Pai Oxalá está lhe ensinando agora, vizinho, mas por ora, aprecie a Graça Divina que felicitou sua casa e família e amanhã, conversamos, certo?!
-Sim, minha senhora. Abenção e me perdoe aceitando minha gratidão em nome dos Orixás.
-Vá com Deus, vizinho e seja feliz!
Pelo tardar da hora, a família de dona Véva rezou e recolheu-se para o descanso físico com profunda gratidão pois o maior pedido feito por eles à estrela radiante, fora atendido.
É que a esposa do vizinho pediu em segredo para que Dona Véva intercedesse aos Orixás pela melhora da saúde de seu pequeno filho que sofria com estranha e rara bronquite e que naquele dia, mesmo amparado por médicos, fora desacreditado de melhora e condenado à internação.
Estava feliz, agora pois quando o seu marido chegou e logo brigando com ela, pasmou-se por ver o menino correndo corado e sadio, comendo o pedaço do bolo de fubá que ele trouxera dos vizinhos que considerava ignorantes para a verdade dele, mas conscientes de que a Verdadeira Fé, as Verdades trazem, muitas vezes, sem racionais explicações.
No outro dia, o vizinho patrão acordou sem sentir dores nem azia, com a diabetes controlada misteriosamente, apesar do bolo e do café doce e mascavo.
Aí então, vamos vendo a Força da Fé, quando no equilíbrio da razão e da emoção na Força da Vida, que vem de Deus e que nos dá a felicidade quando nos expressamos com Amor e Gratidão pelo trabalho bem direcionado à felicidade de todos.
Infinitas estrelas brilham para a Vida se manifestar na sua integralidade. 
Enquanto isso, vamos aprendendo, como o vizinho, a conhecer o brilho das cadentes que reflete o íntimo de quem tem Fé maior que “um grão de mostarda”.

De Vovô Florentino de Agodô por Douglas O Elias

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